OUTRA VEZ OUTONO
Lembro nitidamente quando chegou a última primavera. Trouxe tantas boas venturas, revigorou a vida da natureza adormecida pelo inverno que parece ter durado tanto. Lembro sim, da primavera, das árvores renovadas, o rebento dos brotos, as flores surgindo em todo canto. Jardins em festa, jardineiros em regozijo e os enamorados repletos de sonhos por realizar.
Lembro da última primavera, que deu perfeita forma a tudo, reformando tudo e preparando a natureza e os corações, para viver o verão que chegaria logo, trazendo consigo novas e fortes paixões, fortalecendo as raízes do tempo e de tudo que o tempo faria.
E chegou o verão. Noites quentes e gente enchendo as calçadas. Nos grandes centros os bares em burburinho, os shoping´s ferventes e o calor fazendo os corpos suados, exalando hormônios de toda jeito, com todas as intenções, até mesmo para amealhar o par, nítidos nos risos escusos, nos olhares que se cruzavam enquanto o verão se fazia.
Vieram as chuvas rápidas e quentes reafirmando o verão. Aguaceiros escorrendo céu abaixo, descendo ladeiras, enchendo ruas e ruelas, escorrendo pelos guetos, enchendo os córregos, avivando os rios que corriam sempre a caminho do mar, do vasto mar, então contente dos tantos corpos morenos que banhava.
Bendito verão, que trouxe o Natal, presentes, confraternizações. Trouxe o ano novo, as festas, fogos, augúrios e esperanças novas. Tantos amores se fizerem no verão, tantos apenas e simplesmente tão efêmeros como ele próprio, outros poucos resistiram e se enraizaram e certamente vencerão as estações.
Chega março e vai diluindo as águas. A natureza cansa da exuberância. Começo a se recolher, encuba na intimidade dos seus casulos e cansada de se exibir linda e formosa, vai se resguardando, a espera do outono, o seu tempo de sono, de descanso, de preparo para a renovação.
Outra vez outono. Outra vez o ventinho frio chegando no final da tarde. Outra vez as árvores se desfolhando, as pessoas se recolhendo mais cedo, mexendo nos armários em preparação para o inverno que se anuncia. Outono me faz lembrar o silêncio das noites, quebrado apenas pelo vento soprando as folhas secas então arrastadas, inertes e mortas e apenas servis, pelos bosques, pelos jardins, pelas ruas.
Sim. Outono. Outono me lembra a pujança das águias, da sua abnegação no recolhimento para a renovação, das dores a que se submete para se renovar, tal qual o outono, que se encolhe e recolhe a natureza exausta dos deslumbres do verão. O outono é triste. Triste quase igual a mim, quando em estado de desamor, guardando as últimas energias e preparando o coração para enfrentar tempo de fria solidão, o inverno da alma.
Também é outono no meu peito. Passei pela primavera, quando menino. Cresci e vivi todo o viço do verão. Agora estou vivendo o outono e espero o inverno chegar na minha vida, quando me recolherei ao calor das lareiras, na falta de um corpo que me aqueça.
É outono, outra vez. O tempo é assim. As estações chegam e passam. E chegam de novo, de novo e de novo. Cada fase com seu destino curto e com oportunidades de voltar outra vez. Mas eu não terei. Só tive uma primavera. Só uma. Apenas um verão e agora o outono me preparando para o inverno que não anunciará outra primavera para mim. Não mesmo.
Não sou águia. Sou hoje só outono e o inverno será inevitável, como nas estações. Por isso gosto tanto do outono, pois, ele me diz que ainda haverá mais uma estação, por mais fria que seja.