QUE SEJA POESIA
Nem sei se é poesia, Ou somente história contada, Da anciã versejando prosa, Falando do homem formoso, Que lhe arrebatara o coração, Num baile que não esqueceu. A varanda lhe acobertando, O gato sentado aos seus pés, A velha cadeira surrada, Sorriso feito das lembranças, E eu ouvidos atentos no poema. O baile, a sanfona chorando, Casais dançando a distância segura, As moças sentadas em bancos, Lampiões pendurados nas paredes, E ela ali, esperando seu amor. Chega o homem garboso, Terno de linho azul marinho, Chapéu refinado, cravo na lapela Rosto forte, riso sereno, gentil, Aproxima-se mais e a convida pra dança. O coração dispara, o rosto cora, Olhar na mãe que lhe cuida à distância, A resposta silenciosa do aceno, A mão que se estende, O braço que a envolve, As mãos que se juntam, A vida que recomeça. Veio o pedido, o consentimento, O enxoval, a casa que era erguida, A festa, flor de laranjeira, A capela, a benção do padre, A noite, o medo, o prazer, A barriga, as dores, a parteira, Mais uma vez, e outra e outra. A tarde vai se passando, O sol de inverno aquenta, A sonolência toma forma E ela cala, e a tarde a cala, E continua tecendo, agora em sonhos, Todas as cores e aromas da minha história. Não sei se é poesia, Mas eu queria que fosse, Assim até me arriscaria contar, Que o homem garboso, De quem ela tanto lembrava, Não por acaso que é, O pai deste contador.
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 10/05/2010
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