E A C O E L H O

UM PRETENSO POETA

Textos

A SAGA DO BIGODE

I

E o Bigode, por onde anda?

Tenho recebido as mais diversas informações sobre o seu paradeiro.

Uma delas, diz que ele está em férias lá na Bela e Santa Catarina, ou mais exatamente na deslumbrando praia de Balneário de Camboriú.

Exatamente naquela praia onde Deus abusou no seu capricho, elaborando uma praia que forma uma exata meia-lua, em seus 14 km´s em semicírculo geometricamente perfeito. E para abusar ainda mais, pôs também uma ilha exatamente no centro dessa figura, deixando algo assim como se fosse feito na exata medida para encher os olhos da humanidade de bom gosto.

E o danado anda por lá, passeando pela orla, toda calçada e arborizada, curtindo o frescor a brisa que sopra suave e regozijante, bulindo seus cabelos e seu ego. E para “piorar” a situação e matar meio mundo de inveja, ainda tem as meninas e as não tão meninas, passeando mal cobertas pela areia branca, num contraste deslumbrante com a cor da pele dos corpos torneados, que fazem qualquer cristão cometer o pecado da cobiça. Imaginem então o Bigode.

Depois conto mais sobre o Bigode e suas andanças por SC. Inclusive sobre sua visita a Praia do Pinho, que fica no ladinho de Balneário Camboriú, um paraíso de nudismo do outro mundo...............

II
 
Pois, outro dia, cansado de vagabundear naquela maravilha da orla do Balneário Camboriú, soube então da Praia do Pinho, paraíso de nudismo e requinta. E então ficou arquitetando um plano de ir ver as mulheres peladas naquela praia, sem precisar mostrar suas pelancas acumuladas pelo tempo, pelas noites mal dormidas nas boemias sem freio nem fim e pelo efeito de manguaça igualmente sem limite nem senso.
 
Após longa pesquisa, através de perguntas e mais perguntas feitas aos freqüentadores dos bares - e das madrugadas - soube que a Praia do Pinho é um reduto criado pela natureza, por ordem expressa do Criador, formando assim uma concha encravada entre duas ponta do Morro do Boi, braço da Serra do Mar, que chega ao oceano com seus costões de pedra e beleza, formando uma pequena praia paradisíaca.
 
Para chegar nessa Praia, só tem um acesso, super protegido pela administração do campo de nudismo empreendido ali. Outra opção, seria pelo Mar aberto, mas extremamente perigoso, em função dos recifes que existem no mar, ao se aproximar da praia, e que já causaram inúmeros acidentes náuticos.
 
Não satisfeitos com as informações obtidas, foi então conversar com os pescadores na Vila da Barra, onde ainda resistem velhos homens do mar, pescadores artesanais, fiéis a tradicional cultura Açoriana. A Vila da Barra, fica no Pontal Sul da Praia de Balneário Camboriú, separada apenas pelo Rio da Barra, mostrando uma linda, cultural e histórica discrepância entre a modernidade da requintada urbanização de Balneário Camboriú, com a arquitetura simplista e conservadora da Vila da Barra.


III
 
Então o Bigode, num sábado logo cedo (para ele), em torno das 11 da manhã, pegou um ferry-boyt, atravessou o Rio da Barra e foi buscar melhores informações sobre a Praia do Pinho junto aos pescadores da Vila da Barra.
 
Apeou da embarcação e logo avistou os bares da vila. Entrou no primeiro que avistou. Casa modesta, de madeira, assoalho de madeira bruta com frestas que quase cabia o pé. Uma mesa de sinuca e um balcão também de madeira. O bar estava apinhado de gente. Gente de toda idade, claro que somente homens. A maioria trajando chapéu de palha, barba por fazer e a pele queimada pelo sol constante e a salinidade excessiva existente no próprio ar.
 
Gente jogando sinuca, gente sentada em mesinhas simplória, nas cadeiras de palha, tão comum na região. No balcão, bancos pequenos, bem altos, bem do jeito bom de ficar bebericando uma pinga e jogando conversa fiada ao vendo, falando mal dos técnicos de futebol, dos políticos, dos vizinhos ausentes e principalmente das mulheres deles. O Bigode então cumprimentou o cidadão atrás do balcão, perguntou qual a melhor cachaça que ele tinha ali. O cidadão, olhou meio intrigado, abaixou-se atrás do balcão, levantou-se com uma garrafa e disse: Essa!! Essa veio lá de São Pedro de Alcântara, direto do alambique, coisa boa patrício. O Bigode respirou fundo, estufou o peito e ordenou que servisse tal pinga a quem quisesse, por sua conta. O Butequeiro então gritou alto e forte, avisando: pessoal, tem pinha e daquela boa de dois conto, de graça, por conta do visitante aqui. Quem quer?





IV
 
Assim, minutos depois o Bigode estava rodeado dos pescadores da vila, contando suas histórias e ouvindo outras tantas. Inclusive, mentirosamente, relatou que era Gerente de um bar, o Bar dos poetas, freqüentado por gente famosa, compositores, escritores e poetas renomados. Que estava em viagem de férias, por conta de uma licença que havia feito jus, depois de cinco anos de trabalho ininterruptos, sem nenhuma falta nem falha.
 
Enfim, em pouco tempo o Bigode já era “o cara” daquele humilde pedaço de mundo. Por sinal, um pedacinho privilegiado, onde Deus escolheu a dedo tudo que ali pôs. Temperatura agradabilíssima, muito sol, frescor das tardes, mar deslumbrante, ilhas fantásticas e uma gente amiga, hospitaleira e de fácil amizade. Se bem que vezes em quando aparecem uns intrusos, tipo Bigode, para enegrecer a pureza caipira do lugar.
 
Já passado meio-dia, os fregueses foram-se indo (para abater o pirão – como dizem os nativos), ficando ao redor do Bigode somente uns poucos gatos pingados, somente aqueles mais achegados a boa cachaça e que não tinham, normalmente, recursos para arcar com o custo da mardita. E papo vai, papo vem, o Bigode desfilando suas histórias e causos, ouvindo outros dos pescadores, sobre as aventuras e riscos do auto-mar, na lida da pescaria artesanal, em suas canoas pequenas e frágeis. Não faltavam lamentos sobre o fato de que “antigamente” o mar tinha fartura de peixe. Uma só redada e o canoa já estava cheia, podiam voltar. Atualmente, com a invasão dos barcos de fora, o mar estava escasso e tinha ainda essa coisa do defeso, para aporrinhar e atopetar os bares de pescadores sem ter o que fazer.
 




V
 
Depois do bigode ter comprado a simpatia dos pescadores da Vila, com intenção premeditada, começou então a perguntar pela Praia do Pinho. É uma maravilha, disse um pescador. Uma maravilha de praia, mas virou uma pouca vergonha. Lá só anda gente pelada, nuzinhos como Deus pôs no mundo. Uma pouca vergonha só. E como faço para ir lá, pergunta o Bigode. Essa pergunta foi ensaiada a noite anterior inteirinha. O pescador deu chance e a pergunta pintou.
 
Ahhh Dotô, lá só tem uma entrada, com segurança parrudo e tudo. E só pode entrar nuzinho como Deus pôs no mundo. Se levar uma companheira ela também tem que ficar pelada, mostrando as partes para os outros.  Eu bem que queria ver as mulheres madame peladas, mas eu ficar pelado? Isso não!!!
 
Mas só tem uma entrada mesmo? Detona o Bigode, com a segunda pergunta ensaiada. Sim, só uma, responde o pescador falante. Mas não tem outro jeito de chegar lá? Terceira pergunta da série.
 
Um outro pescador que estava mais a distância, já cambaleando pelas cachaças pagas pelo Bigode, vai se aproximando mais e se intromete na conversa. Só pelo mar seu Dotô. Só pelo Mar. Um outro pescador também entra na conversa. Mas pelo mar é muito perigoso. Já vi gente morrer e sumir tentando chegar lá pelo mar. Tem muita onda traiçoeira, muita pedra.


VI
 
 
O primeiro deles, Quinzinho, pescador experiente, conhecedor de todas as nuanças do mar e da costa ao redor, reafirma:
 
- Seu dotô, se o sinhô for homem com H mesmo, caboclo culhudo tipo nóis, pode sim chegar lá pelo mar. E tem outro aparte: se pagar bem, eu levo o sinhô na minha canoa, que é velha mas é firme, coisa de primeira. Mas vai custá caro. E dispois, tem que ser demadrugadinha e meu feito é deixar o sinhô na praia e vortar. O que vai acontecê dispois, não é da minha ciênça. Combinado?
 
O outro – Quincaludo, ainda mais mamado, dedo em riste encorajado pela manguaça, toma a frente do colega e replica:
 
- Pois que mal lhe pergunte, seu dotô, o que o sinhô que fazer lá? Nem precisa responde não. Eu vou junto com o sinhô e fico la com o sinhô, até a empreitada conclui. Num sô home de fazê as coisas pela metade não! Aqui ó Genaro (dirigindo-se ao dono do boteco), apia mais uma aqui por conta do doto que agora a gente já é quase cumpadre. Manda logo....
 
O Bigode então puxa o Quinzinho para a varanda do Bar, feita somente com uma cobertura de palha e algumas mesas postas mesmo sobre a areia e de frente para a pequena baia formada pela maré que enche o rio e o faz entrar no vilarejo, formando aquela gostosa prainha de areia fina e branca.
 
- Vem aqui Quinzinho, quando você vai me cobrar pelo serviço?
- Bom, o serviço é perigoso. Vamo sair bem madrugadinha, vo perder o dia de pescaria. Então tenho que  cobrar uma diária de pescaria. 200 contos.
- Tá louco Quinzinho. Você é meu amigo ou não é?
- Mas douto, só de gasolina vai uma meia parte. E dispois pode até virar a conoa.
- Ta bom. Quanto a gente vai? E posso levar o Quincaludo?
- Pode levar sim. Só não pode deixar ele beber. Mode que quando tá são, é valente e é fiel pra vale mesmo.
 
Combinaram então para a terça-feira seguinte, 3 da manhã. Isso se o tempo estivesse bom. Se tivesse rebojo ou brisa, ficava para outro dia. 4 da manhã, no portinho da vila. 


VII
 
Terça-feira, conforme combinado, 3 da manhã, lá estava o Bigode. A madrugada silenciosa e orvalhada imperava. Brisa fresca, vinda do mar, que barulhava sincronizado, ainda embalando o sono de tanta gente. A vila estava silenciosa, luzes pálidas nos postes de madeira quebravam o breu da noite.
 
O Bigode sentou num toco de pau já meio apodrecido, trazido pela maré. Sentado ali, olhando o mar, o vento soprando a cara maltratada pela vida e pelas noites. Coçava a barba crescida pelos dias que não aparava. Vozes ao longe, de pescadores que já chagavam para por as embarcações no mar. E o pensamento do Bigode tomou asas e voou no tempo. Bons e velhos tempos.
 
Lembrou do menino criado solto nas ruelas do Matadouro, lugarejo mal afamado da cidade. Ir para a escola era sacrifício insano. A bola o chamava sempre e era muito mais atrativa que as carteiras duras da escola. O pai nunca estava em casa. Era “embarcado”, num barco sardinheiro e só aparecia em casa de tempo em tempo, para trazer uns miúdos para a velha. Trazia só uns trocos porquê as férias mesmo, ele deixava com as amigas que tinha em todo porto. Pelo menos era o que dizia a mãe.
 
A mãe também trabalhava o dia todo, na tecelagem grande dos alemães. E para vingar as safadezas do pai, nas noites ia para os bailões ralar coxa, como sempre dizia. Se o pai podia, ela também podia. E ele, com os irmãos, ficavam ao “Deus dará”, batendo pernas pelos becos e tocando bola nos campinhos ao redor. Escola ficava para mais tarde. Sorte é que levava jeito para a bola e sempre ganhava alguns agrados dos donos dos times. Um lance aqui, um trocado acolá.
 
E assim o tempo ia passando. As noites eram madrastas. A cama dura, dividida com mais 3 irmãos e o vento que entrava pelas frestas das paredes de tábuas irregulares, muito o fez tremer de frio nas tantas madrugadas, sem que tivesse mais um cobertor para se cobrir. O jeito era se encostar nos irmãos fedorentos, pela falta de banho, e esperar o dia clarear.
 
Estava envolto em suas memórias, quando o Quincaludo tocou no seu ombro.
 
- Pode ver, seu dotô, não bebi nem uma gota. Tô limpo. Liso.
- Tá certo. E o Quinzinho? Será se vai pifar?
- Vai não. Vai não. É careiro mas é de palavra. Ainda farta meia hora.
 
Quincaludo também arrumou um assento e ali ficaram proseando. Lá no fim do mar as nuvens já se avermelhavam, indicando que logo o sol emergiria das profundezas e que o dia seria mais uma belezura, para aquiescer as moças que feitas sereias ficariam dourando no sol, queimando as curvas para enfeitiçar os moços.
 
E assim ficaram deixado o tempo correr, a madrugada avançar, enquanto esperavam pelo Quinzinho. Mais pescadores passavam conversando baixo, sussurrando bons augúrios e rogando aos santos boas pescarias. Quincaludo rabiscava a areia úmida com um graveto; Bigode vagava nas memórias...




VIII
 
Enquanto o Bigode rebuscava suas memórias, revoando no tempo e posando lá na lida menina, Quincaludo rabiscava qualquer coisa na areia. A brisa vinda do mar, com o barulho constante das ondas e a madrugada cobrindo a tudo com sua penumbra e seus mistérios, emprestava sonolência a ambos. E assim estavam, naquela lusco-fusco entre acordados e dormindo sentados, chega o Quinzinho.
 
Chega tirando o silêncio, a sonolência e o sossego.
 
- Vamos, vamos, ajudem aqui.
 
Parecia um burro de carga. Carregava arcado uma bombona com combustível para o barco, no ombro uma mochila com o lanche e ainda trazia um remo.
 
Quincaludo o socorreu. Bigode caiu repentinamente das nuvens por onde navegava e se pôs de pé, pronto.
 
E foram até onde estava a canoa do Quinzinho. Puseram os apetrechos na canoa, que balançava ao gosto das marolas e todos a empurraram até a água atingir os joelhos. Subiram e Quinzinho pos-se a remar, até a canoa atingir profundidade para ligar o motor. Remou mais e deixou a canoa deslizar pelo rio, a caminho da foz do rio, onde o mar chegava com ondas mansas.
 
Ligou o motor e a canoa tomou pulso. Quase que o Bigode caiu do banco. O vento sobrava mais forte, desmanchando os cabelos. Quinzinho sabia com ninguém o caminho para sair no mar sem surpresas. O motor barulhava e a canoa avançava pelo canal do rio. Saiu do rio, tomando a praia. Inicialmente as ondas eram pequenas, quase lisas. Mas na medida em que entravam no mar, as ondas eram mais altas, levantando a canoa e deixando cair quando passavam.
 
Bigode estava agarrado ao banco, disfarçando o medo que lhe tomava.
 
- Calma seu Dotô. Quando a gente sair no mar aberto as ondas são menores. Calma.
 
E o Bigode se acalmou. Pelo menos tentou. Quincaludo estava tranquilo. Na boa. Sentado no fundo da canoa como se nada estivesse acontecendo. Claro que o tempo e a lida na pescaria já o faziam conhecedor de situações semelhantes. Quinzinho de pé, segurando o leme, o vento batendo na fronte e o olhar firme no mar a frente. Um sorriso maroto surgia em seus lábios, quando olhava o Bigode, grudado no banco, teso e disfarçando tranquilidade.  E a canoa, valente, seguia, quebrando as ondas e seguindo mar adentro, a caminho da praia do pinho.
 


 
IX
 
E que caminho. Quinzinho conduzia a canoa que já seguia calma, pois, haviam passada a quebrança das ondas. Ao invés de ondas, o mar então fazia grandes valas, por onde a canoa mergulhava e emergia suavemente. Tinha que sair um pouco mais fora do mar, para dar a volta e poder entrar na Praia do Pinho pelo lado sul e vindo reto, para evitar as pedras imersas e que consistiam no grande perigo.
 
Contavam-se muitas histórias de naufrágios naquela região. Havia um grande coral na entrada da praia, vindo do mar, que enganava os incautos, além das fortes ondas que se formavam, na medida em que se aproximavam da região dos corais. Então, Quinzinho havia planejado ir bem fora no mar e vir em direção reta, para ser embalado pelas ondas, mantendo o barco em reta, para evitar que fosse pego de lado. E com isso também teria uma melhor visão de eventuais pedras à frente.
 
Mas o Bigode não sabia o plano de navegação e estava fincando intrigado. Se a praia do pinho era tão perto, porque o barco continuava avançando mar adentro. Já estava mais tranquilo, depois de passada a região das fortes ondas. Agora o mar já não tinha ondas e sim marolas. Grandes, fazendo valagões, mas que o barco vencia sem lhe oferecer maiores riscos. Na medida em que mais avançavam, mais tranquilo ficava. Tranquilo a ponto de poder apreciar o visual. Olhava para traz e via a terra, os morros desenhados na penumbra que ainda se fazia. Olhava para frente e via aquela imensidão de água. Água e mais água.
 
E dia raiava. A leste o céu já avermelhava, pintando o mar com seus reflexos. Maravilhosa visão, pensava e se deslumbrava Bigode. A canoa avançava mais. E num repente aquele vermelhão que se fazia, começava a ficar amarelo forte, quase alaranjado, numa mistura fantástica com o vermelho. E daí se fez o espetáculo que Bigode jamais imaginava assistir. O sol vinha surgindo, como emergindo das entranhas do mar, como se fosse um pote gigantesco de ouro, brilhante, pintando o mundo. Incrível. Aquela bola gigantesca nascia da profundeza do oceano e crescia, crescia, espalhando um amarelão divino, como se desenhasse o infinito. Sim, o infinito era amarelo ouro, concluía Bigode.
 
Assistiu tudo aquilo - o por do sol - como só havia lido algumas vezes e em outras assistido em alguma imagem na televisão. Mas assistir assim, ao vivo, com todas as cores, era um espetáculo que o envolvia e sabia que jamais esqueceria. Impossível seria esquecer aquela metamorfose deslumbrante. Na medida em que o sol subia, e tomava seu formato conhecido, parecia sobrepor-se ao domínio do mar e este se acalmava mais. A canoa já viajava quase tranquila. O vento surrava seu rosto, bulia seus cabelos e entrava pelo seu peito, enchendo seu coração aventureiro de satisfação.
 
Percebeu então que o Quinzinho já fazia uma curva suave para o norte. A curva continuava, levemente e em pouco tempo o barco já rumava para oeste, e ele via o continente a sua frente. Os morros já mais visíveis, já clareados pelo sol e lá na frente, pequenina, começava a avistar a Praia do Pinho, desenhada nos costões formatos pela serra que avançava no mar.




X
 
- Acorda seu Dotô – gritava Quincaludo.
- Inté parece que o sinhô tá sonhando aí acordado!!! Volta prá terra home, que logo a gente vai ter que apiá.
 
A chamada do Quincaludo fez o Bigode realmente acordar da viagem pelo deslumbre que a vista lhe presenteava. E a praia do pinho crescia logo à frente. Era cedo ainda e, pelo menos de longe, parecia que ainda estava deserta. Melhor assim pensou. Melhor assim.
 
- Cuidado aí seu dotô, cuidado. Toma tento Quincaludo!! – Era o Quinzinho gritando,
 
- Cuidado que vamos entrar na quebrança das ondas. Agora é que vem o perigo. Vou ter que desligar o motor para não chamar a atenção do pessoal que mora ali na praia e daí fica perigoso – Explicava com o semblante preocupado, pondo medo no Bigode, que se encolheu ainda mais no banco do barco, as mãos ainda mais seguras e a adrenalina invadindo as artérias.
 
Quinzinho desligou o motor e a canoa  continuou sendo levada pelas ondas, apenas guiada pelo leme que Quinzinho manobrava com a maestria de quem estava habituado a enfrentar situações muito mais perigosas nesse mar de Deus, depois, de anos de lida. Nem mesmo as ondas que ficavam mais fortes, que invadiam a popa da canoa pareciam tirar a tranquilidade do pescador, que seguia firme, olhar seguro na praia logo a frente, semblante destemido, marcado pela barba mal feita, rosto rude queimado pelo sol.
 
- Quincaludo!!! Vai tirando a água, seu lerdo. Rápido – Gritou Quinzinho – Vai logo “seu” lesma, se não a canoa afunda de tanta água.
 
A água já cobria os pés do Bigode, que estava pálido assistindo as ondas baterem na popa da canoa. Segura ainda mais forte na tábua que formava o banco onde estava sentado e o medo de um naufrágio começava a deixá-lo em dúvida sobre a coerência daquela aventura. Bem que os pescadores tinham avisado.
 
Quincaludo de cócoras no fundo da canoa ia retirando a água com uma cuia. Fazia com uma destreza, uma velocidade, que impressionava o Bigode. Enchia a cuia e joga no mar. Enchia e jogava. E mais água invadia e o bom e fiel amigo dos pescadores continuava seu trabalho, no que era especialista.
 
A canoa continuava sendo empurrada pelo mar, pelas ondas. A praia ficava cada vez mais próxima e o coração do Bigode cada vez batia mais forte, mais rápido, parecendo querer sair pela boca. Olhava o Quinzinho, de pé, segurando o leme. No fundo da canoa o Quincaludo, com sua cuia e sua destreza, enchendo e jogando água no mar.
 
- Seu doto, vou ter que aportar ali naquele lado. Não posso ir até na frente da praia, se não o pessoal vai sacar que estamos invadindo e daí não vai adiantar de nada todo esse trabalho.
 
Bigode olhou para onde o Quinzinho apontava e só via pedras e as ondas batendo. Mansas, mas batendo. Quinzinho abriu uma portinhola que tinha próximo da casinha do motor de centro da canoa, puxou uns coletes e jogou para o Bigode.
 
- Ponha isso ai que não tem perigo. Ali é baixinho, pode ir andando. A água não passa da cintura. Só cuidado quando estiver chegando nas pedras. Tem muito marisco, que cortam até o seu tênis.
 
- E as ondas? – perguntou assustado o Bigode.
 
- Não tem perigo. Ali já são mansas. As ondas fortes estão no meio, que vão quebrar lá na praia. Ali, na lateral, são apenas marolas, home.
- Olha aí Quinzinho. Manda um desses prá mim também. Vou ficar com o Dotô. Não vou deixar o home sozinho – Gritou o Quincaludo, solidário.
 
- Manda um desses prá mim. Não sou home de deixar um amigo correr perigo sozinho. Manda!!! Manda logo Quinzinho.
 
Quinzinho jogou mais um para o Bigode e outro para o Quincaludo.  O Bigode então ficou de pé, meio que cabaleando, mas conseguiu vestir o colete. Amarrou outro na cintura, enquanto o Quincaludo também vestia o seu. A canoa se aproximava mais e mais das pedras que se seguia de uma capoeira, característica de beira-mar.


 
 
XI
 
 
O Bigode, vestido com o colete Salva-vida, voltou a sentar no banco e então começou a tomar consciência da enrascada que tinha se metido. As pernas tremiam, joelhos batendo um no outro. A canoa parecia um pedaço de pau, jogada prá e prá cá pelas ondas. O motor desligado e o Quizinho tranquilo segurando o leme, como se nada estivesse acontecendo.
 
Bigode era acostumado com todas e mais algumas aventuras, mas sempre em terra firme e sempre que se metia nalguma enrascada, normalmente ocorria ao acaso, sem planos nem estratégias. Melhor ainda, é que, quando o risco era eminente, normalmente estava cheio de manguaça e o álcool lhe emprestava, gratuitamente, toda coragem que ele não tinha. Pelo menos ali, vendo as pernas tremerem, tinha essa certeza. Estava se sentindo um “borra-botas”.
 
Aliás, só uma vez tinha sentido medo semelhante. Mas era menino ainda, quando em suas aventuras pelo bairro do Matadouro - onde cresceu, junto com o irmão e mais dois amigos, resolveram espiar umas moças tomar banho. Verdade.
 
As casas eram praticamente todas de madeira. Raramente alguma tinha banheiro. As necessidades eram satisfeitas na privada, ou na casinha, geralmente construída nos fundos do terreno. Os banhos eram tomados em bacia de alumínio, colocadas no quarto ou mesmo no meio da sala.
 
Souberam então que as irmãs do Jeca, já moças com seus 15/17 anos, sempre tomavam banho no final da tarde; que as paredes de madeira da casa, tinham imensas frestas e então... Cinco e pouco da tarde, encerraram a pelada mais cedo, para ir espiar as irmãs do Jeca peladas. Seria um bela troca de pelada. E foram.
 
Chegaram na casa. Jogaram a bola para dentro do terreno e entram como se fossem apenas buscar a bola. Deram a volta ao redor da casa e chegaram nos fundos. Realmente tinham uma gretas gostosas. O Bigode, que ainda não tinha bigode, nem mesmo pentelho, apossou-se de um buraco (falta de um pedaço de safarro). Os outros foram buscando outras frestas. E dito e feito. Lá estava a moça dengosa, sentada na bacia, os peitos a mostra.
 
Passava o sabão pelos braços, subindo até o ombro. Descia pelo peito, chegava nos seios e ali as mãos divagavam lentas. Ora iam até os joelhos e voltam pelas coxas. Bom era quando sumiam dentro da bacia, esfregando não se sabia o que. Mas que era gostoso era. Como era....
 
O Bigode lembrava e sorria. Até enganou o Quinzinho, que o olhando ali sentado, tranquilo, até com um riso frouxo nos lábios, pensou que o medo havia sido dominado. Mas não era nada disso. As lembranças que eram boas. Muito boas.
 
Grudado na parede, um olho arregalado na greta da parede, o Bigode se deliciava com a moça se banhando. Era bom demais, pensava. Sentia um calor nas entranhas e um negócio crescer sob o calção feito de saco de trigo. Crescia e formigava. Era bom demais. Tirou os olhos da fresta e olhou ao redor o irmão e o amigo. Eles estavam fascinados, também grudados na parede e ambos com a mão enfiada no calção. Ele, claro, também podia. E como era bom. Bom demais.
 
E a moça pegava água na bacia, com a mão em concha e derramava sobre os ombros. Um pouco de água, um pouco de espuma, que escorria, passando pelos seios, descendo pela barriga e sumindo na bacia.
 
Ela tem que levantar. Vai levantar, pensava e torcia o Bigode, com o olho grudado na fresta e a mão enfiada por baixo do calção. E exatamente quando a moça apoiou as mãos no assoalho, preparando-se para levantar, vem aquele vozeirão atrás deles...
 
- Seus safados, vagabundos. O que estão fazendo aí?
 
O Bigode virou a cabeça para traz e se deparou com o pai da moça. Era um homem grande, farto bigode, tido como valente, quase violento.  Olhou o irmão e o amigo e eles estavam boquiabertos, olhos esbugalhados, já com cara de choro.
 
- Nada não, seu Gerônimo. Só viemos pegar a bola. Calma.
 
- A bola é, seus vagabundos - e foi se aproximando, logo do Bigode.
 
Olhou o irmão, o amigo e gritou – vamos!!!
 
E foi uma carreira só. O seu Gerônimo atrás -  Safados!!! Filhas da mãe. Venham aqui seus moleques..
 
Na corrida o Bigode ainda lembrou da Bola que tinha ficado lá. Mas nessa hora, que bola que nada.
 
E foi ainda lembrando da carreira que levou e do medo que passou, que ouviu o Quinzinho dizer que já estavam chegando. Que já estava raso, que já poderiam descer.




Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 09/06/2012
Alterado em 15/06/2012


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