E A C O E L H O

UM PRETENSO POETA

Textos

SANTOS COM CERTIFICADOS

Eu vendi meu toca-discos, o Marcão vendeu o rádio-gravador e com o dinheiro demos entrada numa Kombi em bom estado. Tinha alguns cupins que já tinham comido cerca de 90% da lataria. Não tinha motor de arranque, obrigando o Marcão, que era mais forte, a empurrar a Kombi sempre que tinha que fazer pegar. Mas tudo bem. Isso era detalhe. Importante é que iríamos iniciar um grande empreendimento mercadológico.

Na primeira segunda-feira pós Kombi (perua loira) negociada, que foi batizada de Bruaca de Sarda, logo às 4 da manhã, saímos do vilarejo em que morávamos, com destino a uma cidade distante cerca de 40 km. Claro que eu era o motorista e o Marcão o empurrador da Kombi. Madruga ainda e o Marcão empurrando a Kombi pela avenida principal da cidade, pavimentada de paralelepípedo e eu tranqüilo na boléia. Já passavam das 5 quanto finalmente a perua, melhor dizendo, a Bruaca de Sarda, deu sinal de vida.

Essa cidadezinha, nosso destino, era a capital de produção de Santos de Gesso do estado. Foram 2 horas de viagem para fazer os quarenta km. Cada vez que eu apertava no acelerador - apertar no acelerador é só força de expressão - pois o pedal do acelerador tinha afundado num buraco na lataria e um amigo de um amigo do amigo do Marcão tinha injambrado um acelerador, com um capo de fio de luz, amarrado direto na borboleta do carburador e que eu tinha que puxar. E cada vez que eu puxava o acelerador mais forte, a Bruaca de sarda começava a tossir e se engasgar.

O Marcão muito tranqüilo do lado. Mais que tranqüilo. Sua única preocupação, aliás, era segurar o garrafão de manguaça que ele levara para a viagem e que quando chegamos lá já estava em menos da metade, sem que eu tivesse bebido um golinho. Mas tudo bem, na volta ele seria o motorista e eu beberia minha metade.

Ao chegarmos na fábrica dos Santos de Gesso, fiquei assustado. Era Santo que não acabava mais. O que mais tinha no estoque era o São Benedito. Soubemos, depois, que tava encalhado e por isso estavam vendendo com 50% de desconto. Então compramos 30 diversos e 100 São Benedito, pois, só de um olhar para o outro, já maquinado um plano infalível.

Enchemos a Bruaca com 130 Santos. Demos 10 cheques pré, que havíamos emprestado da sogra do amigo de um amigo nosso. E no caminho, a Bruaca gemendo com o peso, fomos montando nossas estratégias mercadológicas para ganhar dinheiro com o novo empreendimento.

Primeiro que iríamos pintar um pouco de São Benedito de Branco, para poder vender mais rápido. Segundo, que iríamos visitar o amigo de um amigo do nosso amigo de manguaça, que tinha uma gráfica clandestina, para confeccionar uns certificados de benzimento. Isto mesmo. Teríamos à venda, Santos de Gesso benzidos pelo Papa, com certificado e tudo. Claro que o Santo com Certificado de benzimento, custaria três vezes mais e só com pagamento à vista.

Na primeira semana, sucesso total. Vendemos todos os Santos com Certificado de benzimento. Na segunda semana, fomos então interpelados por um senhor na estrada, final da tarde, quando já estávamos a caminho do bar do Bigode, amigo do meu amigo, para encerrar o dia com uma boa manguaça. Ele queria porque queria um Santo, mas com Certificado.

Só tínhamos mais um (quer dizer um formulário de certificado) e que segundo o Marcão era encomenda de uma senhora idosa que prometeu pagar o dobro do preço. Pois o “cliente” ofereceu o triplo, pagamento em notas novinhas, na hora. Claro que não resistimos e atendemos o homem.

Pegou o Santo, pegou o Certificado e nos deu voz de prisão.

Gastamos todo o lucro para pagar a fiança. Não sobrou nem para rebocar a Bruaca de Sarda que havia ficado defronte a cadeia e que não pegou de jeito nenhum. Aliás, não sobrou nem um tostão. Nem mesmo para pagar a conta do boteco. A Bruaca de Sarda devolvemos ao antigo proprietário por conta das prestações pendentes, sob ameaça de mais um hospedagem na casa do delegado.

Mas nossa sociedade mercantilista não acabou ai. Não mesmo. Outra hora, se me pagarem um boa cachaça, eu conto sobre quando viramos mascates, vendendo roupas íntimas nas zonas meretrícias.
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 23/05/2011
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