E A C O E L H O

UM PRETENSO POETA

Textos

A ARTE E O POETA

Escrever, poeticamente, é uma arte nata. Sem sombras de dúvida que é uma arte e nata, ou seja, nasce com a pessoa. Desenvolver ou não a arte, é outra conversa. Aprimorar ou não, voar mais alto auto, ou se restringir a vôos rasantes, é unicamente uma questão de iniciativa, meio ambiente, oportunidades e eventual determinação.

Assim como nas mais diversas artes, como a música, seja do músico ou do intérprete, do cantor, como na dança, na pintura, na interpretação, no esporte, o sucesso na arte de escrever também depende de se estar no lugar certo, na hora certa.

Nunca foi necessariamente o mais talentoso a obter o reconhecimento popular de sua capacidade artística. Muito antes da necessidade de se estar no lugar certo, na hora certa, é necessário que o agraciado reconheça e muito cedo das suas tendências e aptidões. Que seja despertado para tal, que esteja vivendo em um ambiente que lhe permita não somente ser despertado ou despertar por si só, mas ser percebido e incentivado, recebendo um empurrão que seja.

Necessário que abdique de milhões de coisas, que decida incondicional e sacrificadamente – muitas vezes – se dedicar ao desenvolvimento desta ou daquela aptidão artística. A arte de escrever, principalmente quando a tendência é a escrita poética, esta muito menos valorizada, muito menos reconhecida, muito menos apreciada, se não em intensidade, mas em quantidade, exige ainda mais dedicação, determinação, perseverança e uma dose de “estar no lugar certo na hora certa”.

Os valores mercantis do poeta são ínfimos, tanto que raramente algum poeta ou poetiza se desponta cedo para o cenário literário. Mesmo que desperte e se decida cedo por seguir esse caminho, tem que se submeter a exercer outras atividades ligadas à escrita, ou ao redor dela e somente com o tempo e muito tempo, poderá exercer tal atividade que seja parcialmente dela.

Além de todos esses fatos, existe outra realidade inegável. A nossa humanidade e seu desenvolvimento acelerado, a veloz urbanização por que passamos nas últimas décadas, o crescimento tecnológico acentuado e crescente e o mercantilismo às vezes até cruel a que estamos sujeitos, têm decepado, tem dilacerado os sentimentos e seus valores simplesmente humanos, chegando ao ponto de se encarar o romantismo, o lirismo e tantos outros sentimentos simplesmente naturais e originalmente humanos, como retrógrados, como deselegantes, como frágeis e não merecedores da atenção e do juízo das pessoas modernas, centradas, voltadas para o mundo moderno e suas vicissitudes.

Desde menino que percebi em mim um veio poético, uma facilidade quase incompreensível para escrever. Tal fato ficou mais claro e até intrigante para tantos, quando praticamente me auto-alfabetizei. Simplesmente na observação de irmãos mais velhos aprendi a escrever e ler. Minha ida, em tenra idade, para o meio rural e minha formação nesse ambiente facilitaram o desenvolvimento da sensibilidade para com as coisas naturais, para com os sentimentos e os valores para com a natureza quase primitiva.

As dificuldades econômicas e sociais por que passou minha família bem na minha formação infanto-juvenil, a busca pela sobrevivência as duras penas, exposto a todos os malefícios e injustiças da segregação sócio-econômico-cultural, ajudou a aprimorar minha percepção, forjando, ainda cedo, a distinção dos valores reais, humanos, dos valores hipócritas, demagogos, mercantilistas, capitalistas.

Ajudado, certamente, pela sensibilidade poética já presente no menino e o ambiente hostil a que me expus logo cedo, realmente me ajudaram a desenvolver ainda mais a necessidade de escrever e expor minhas proibidas idéias, nas velhas folhas de caderno, sempre escondidas, quando não eliminadas, temendo a represália ou simplesmente o ridículo da sua leitura.

Mais tarde, mercê do nefasto “êxodo rural”, saí da simplicidade e ingênua vida do interior, para o composto urbano e todas as suas mazelas. Na cidade grande, despreparado, sucumbi às facilidades urbanas e enveredei por caminhos quase tortos, com a paternidade prematura e a responsabilidade de uma família quase ainda na puberdade.

Tudo isso me fez desvirtuar do caminho que as estrelas – creio - tinham me escrito, de escrever, de viver e sobreviver da arte de escrever. A necessidade de buscar renda de forma urgente e premente, levou-me a caminhos outros que não fosse à arte de escrever. Usei dessa facilidade de escrever para percorrer o caminho e a carreira profissional que se me foi surgindo no decorrer da vida e das possibilidades, contudo, nunca pude me dedicar - como sonhara ainda menino - e viver dos meus versos, dos meus causos, dos meus contos, das minhas crônicas, das minhas fábulas, dos meus romances, quiçá a sorte me permitisse.

Nunca, porém, reneguei a minha arte. Se as minhas atividades profissionais não me permitiam e até impediam, escrevi as escondidas, dividi com amigos então poucos, mas leais, com supostas ou fortuitas namoradas, com escondidas ou imaginárias amantes, os meus poemas, as minhas crônicas. Não raras vezes tentei, corri atrás, fui ferido, menosprezado, na tentativa de expor meu veio e minha aptidão nos meios possíveis.

Reconforta-se saber que ainda tenho muito por viver, as necessidades da busca pelo dinheiro para sobrevivência minha e dos meus já chegam ao final e ainda poderei, mesmo que tarde, exercitar de forma mais formal e quem sabe reconhecida, a minha arte. A arte de escrever, de vender idéias, sonhos e ilusões, através da poesia traduzida nos versos de um poeta pobre, incógnito ainda, mas nato. Sem demagogia, nem falsa modéstia, nem tampouco pedância descabida, mas efetivamente um poeta nato, como nata é toda arte.
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 25/12/2010
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