E A C O E L H O

UM PRETENSO POETA

Textos

MULTIDÃO

Sim, é preciso crer que tem poesia mesmo no cinzento do concreto. Preciso crer que tem poesia, mesmo em meio à multidão apressada que se esbarra nas calçadas defronte aos edifícios das grandes metrópoles, pois, a multidão é formada por pessoas e cada um tem sua história, revestida pelas nuanças da lida humana, mesmo quando sendo apenas mais um na multidão.

Se olharmos de cima, bem de cima e acompanharmos a multidão e nos fixarmos em um indivíduo dessa multidão e acompanharmos seus passos, veremos que nalgum momento ele vai se separando da grande multidão, vai juntando a grupos menores, vai se afastando mais e formando um pequeno grupo. Depois, indo, indo e já está apenas em uma residência, apenas uma família – talvez - depois um quarto e no máximo um par, até que se afunila na sua individualidade. E ali pensa só, mesmo acompanhado; e sofre só, e sonha só e é só. E é a mesma pessoa que antes era só mais uma na multidão. Só um pedacinho minúsculo da multidão. É preciso crer, mesmo na insensibilidade da multidão, que a poesia existe sim.

Mesmo na robustez dos bravos e destemidos; mesmo na rispidez dos machos aparentes com sua eloqüência; mesmo na insensibilidade dos capitalistas condecorados com cartões de crédito e senhas Suíças, bate um coração que é bombeado por sopros milagrosos forjados pela vida, que conduz o vermelho do sangue – destoante do cinzento do cimento - e exatamente no sangue é que a poesia se faz.

A multidão que passeia frenética pelas calçadas, ruas e praças, é composta de um em um. Um bravo, outro ríspido, outro capitalista apressado, certamente uma amante fortuita, um menino repleto de sonho, um velho de ricos pensamentos, uma mãe com o coração batendo no ouvido, rebuscando o choro o filho no barulho ensurdecer de buzinas e falatórios e tantas e tantas almas e corpos. Um aflito com a conta para pagar, outro em busca do emprego, outro arquitetando um furto. E cada um com a sua poesia, todos portadores de medos, coragem, esperanças, sonhos, planos, raivas, invejas, paixão, amor e tudo mais que é sentimento que somente as carcaças humanas carregam.

Cada um é uma letra. Um grupo, uma palavra. E se juntam e formam versos que formam estrofes e que vão compondo um poema. Não. Não tem somente poesia não multidão. A multidão é sim um poema, mais, um teorema, pintado com a cinza do concreto, colorido com as tintas dos outdoors, musicado com as buzinas, gritos e vozes mil, numa harmonia desvairada e – a distância – assim tão..........poesia.
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 22/05/2010
Alterado em 27/05/2010
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