E A C O E L H O

UM PRETENSO POETA

Textos

SONHO, ESPERANÇA E FÉ


Foi tanto que falei de amor, pelos dias todos da minha vida. Foi tanto que sonhei amar, tanto que busquei, tanto que escrevi, tanto que imaginei, tanto que ensaiei.
Quanta inveja eu tive, dos casais nas praças, nas festas, nas praias, nos bares e nas ruas. Foi tanto que imaginei desde menino encontrar a mulher dos sonhos, a forma, o jeito, o trejeito, os cabelos, a boca, os lábios, os gestos, o riso, o beijo, o carinho, o olhar. Tanto imaginei e achei que jamais encontraria por ser muito querer para um amor só. Os cabelos caídos nos ombros, o caminhar, o olhar por sobre os ombros, o corpo dançando, as mãos abanando, a voz, o sussurrar. Quantas noites demorei a dormir somente buscando no tempo e no espaço a esperança de sentir o amor sobre o que tanto escrevia, tanto sonhava, tantos tinham e eu que parecia tanto entender de paixão, só a conhecia em camas alheias, em faz de conta, como a contar os versos dos meus poemas.
E houveram momentos que senti o alívio do final da busca. Momentos que até achava que o sonho estava comigo, mas nos dias seguintes ia minguando a certeza e o vazio que se ia formando fazia ressurgir a angústia de que a realidade, a vida, ainda me devia o sossego da busca finda.
As exigências dos meus sonhos eram demasiadas. Então fui passando a vida, pela vida, me contentando com as migalhas, os respingos de flertes e acenos, de beijos e sexo. Quantas mulheres belas aconcheguei em meus braços. Em quantas camas eu deitei e me dei. Quantas manhãs, tardes, noites e madrugadas de luxúria vivi, sempre buscando dentre tudo e todos o regalo de sentir aquilo que imaginei ser e sentir um grande amor. E sempre ressurgia o vazio do depois. Sempre ficava o buraco entre o ter e o sentir.  Sempre faltava um riso, um gesto, um gosto. E eu procurava alguma coisa que já pensava não existir, que eram tão somente exigências e vontades que na realidade faziam parte do jamais. Então me contentava em conviver, em partilhar os dias como um ser normal, com um par e levando a vida, assim como viver esperanças perdidas, não sabia onde e mais forte era a quase certeza que o que queria teria que existir, em algum lugar, em algum tempo.
Quanto chorei de saudade de tempos não vividos. Quanto sonhei com o amor que não conhecia. Quanto amei a mulher que não havia encontrado. Criei calos fortes e duros no peito. A alma foi ficando amarga, o coração foi empedrando, endurecendo e somente a vontade e a persistência da busca, da procura, esmoreciam a vida e permitia a teima, fazia renascer o sonho, a esperança, a vontade da busca do bem querer.
E não sei se foi o acaso, ou meus instintos, me levou para um lugar, meu lugar, como retornando ao começo da vida, pertinho donde ainda menino, nos idos tempos, já sonhava, idealizava o amor da minha vida. Onde imaginava crescer, virar homem e ter a minha mulher, aquela mulher. Já na época sentia o cheiro dela, imaginado a tanto tempo. Era um cheiro que misturava terra molhada, relva, flores, sexo, boca, beijo e paixão. E na minha imaginação seu cheiro tinha cores, e que cores lindas, cores que nunca havia visto nem nos arco-íris. Lá nesse lugar, ainda menino, eu a via chegar e se ir, e entre discreta e altiva ela reinava e me olhava como somente a mulher que seria minha me olharia. E andava com toda graça, que somente  a mulher que seria minha poderia caminhar. Lembrava dos sonhos acordados de menino, eu a olhando se ir, lentamente e as vezes se voltava olhando sobre os ombros e o vento trazia seu pensamento que me diziam que eu era seu grande amor.
E voltei pra minha terra. Não com a esperança de encontrar dita mulher, dita paixão. Já sabia que o sonho do menino era só sonho de menino. E me contentaria em ficar perto do lugar onde os sonhos se iniciaram e o cansaço da procura, por tantas estradas, tantos lugares, tantos bares, tantas camas, tantos braços, tantos colos, já deixavam claro que o sonho, era tão somente um sonho. E até me acalentava, cheio de dores é certo, com o fato de ter passado pela vida em busca do que não existia. Havia gasto a vida inteira, correndo atrás de apenas uma ilusão. E começava a repensar sobre ilusão e sonho. E já concluía que havia me iludido e não sonhado, porque se havia procurado tanto, por tantos caminhos, por tanto tempo o sonho e não havia encontrado, é porque não era um sonho possível, era apenas uma ilusão, ilusão de menino que deveria ter se ido e ficado no tempo como ficou o menino e eu, ou havia teimado em trazer a ilusão no tempo, ou não havia crescido e ainda era um menino.
E ali, então pertinho do lugar onde sonhava, pertinho do sonho, eu acalentava a desilusão da busca vã, me confortando com tudo que havia vivido, que havia sido bom. Não tinha vivido o sonho, não havia encontrado a mulher da minha vida, com seu cheiro e sua graça, com seu cabelo negro e seu jeito de carinho, mas que havia vivido. Havia colhido flores, havia dividido a vida com bela gente. Haviam as sementes que tinham rebentado, crescido, até florido e eu só queria então reviver os sonhos, que fossem somente ilusões, não fazia mal, mas estaria pertinho e certamente só o fato de sentir os cheiros do lugar já me contentaria e com isso não  correria mais atrás do sonho, pois não existia, com certeza, eram só ilusões, caramba!! Iria viver o resto dos dias, assim, cansado da busca, triste com as conclusões,  mas reconfortado pela certeza de que não havia faltado nenhuma tentativa. Todos os caminhos haviam sido trilhados e até já acreditava na sina e que Deus não havia colocado a metade da minha laranja na minha aldeia. Que a morena que procurava, que o cheiro que meu olfato buscava, Deus não havia permitido habitar minha aldeia. E se havia estado em algum lugar, certamente era uma anja e então não me cabia lhe ter. Certamente era algum castigo, por alguma molecagem de mal gosto que eu havia feito quando pequeno, que papai-do-céu não havia perdoado. Quem sabe ele tinha visto quando arranquei a cabeça da boneca da minha irmã. Se bem que eu tinha feito tão escondidinho e ela até acreditou que foi o cachorro pequeno. Mas ele viu certamente. Ou havia nascido, mas o bicho papão havia engolido naquelas noites escuras de trovão e ventos que eu tanto temia. Bem provável naquela noite do vendaval, que quase morri de medo, vendo as telhas do casebre que morava serem levadas como folhas secas, tão leves pareciam. É, acho mesmo que foi naquela noite que a mulher dos meus sonhos, ainda menina, foi levado pelos ventos para outro mundo por onde eu não havia estado por toda minha vida. Mas deixa pra lá......
Tinha agora o conforto de estar onde tudo começou. Onde a saga se formou e tudo que havia vivido não tinha sido em vão. Tinha vivido. Encontrado ou não a mulher dos meus sonhos era apenas um detalhe e então me iludia assim. Se chorei algumas noites pela realidade do vazio da minha vida, confortava a mim mesmo,  forçando pensamentos de que havia valido a pena todos os casos e acasos vividos. Que as conquistas vividas, que todas as mulheres que havia tido, se juntasse um pedacinho de cada, um detalhe de cada, com certeza a soma daria, seria, a mulher não encontrada. Então, claro, eu havia encontrado, havia tido a mulher dos sonhos, só que não inteira, de uma vez só, como nos sonhos, e sim em pedaços achados aqui e acolá. Claro, o sonho é que estava errado. A vida teria estado certa. E até lembrava dos ditos de que a felicidade não existe, que existe são momentos felizes. Certo. Eu havia encontrado uma porção, dezenas, centenas de pedaços da mulher dos sonhos. Havia vivido um pouquinho em cada esquina onde parei para descansar do cansaço da busca. Ufa....agora até poderia ser feliz e sossegar, quem sabe saborear o descanso sentado na beira da praia, à sombra das pomposas árvores, sentindo a brisa vinda do mar, com cheiro de vida nova.
E quando assim fiquei, algumas vezes, e olhava o mar, tão infindo, ressurgia a tristeza do quão infinda havia sido minha busca e me cobrava o fato de que a história dos pedaços não era verdade, era só para me enganar, só porque o cansaço havia tomado forma e faltava fôlego. Eta mar danado, que tristeza ele me trazia, balangando assim, repetitivamente, sem trégua, sem descanso e ainda por cima, fazia com que minhas lembranças de outrora, no mesmo lugar, eu imaginara um dia estar ali, daquele jeito, mas não só, e sim com a mulher dos meus sonhos aconchegada em mim, sorrindo gostosamente pra mim, sentindo seu calor, seu cheiro. E eu ali, vendo as pessoas, os pares, vidas felizes que passavam pra lá e pra cá. Meninos que estavam na areia, certamente colocando em seus castelos os mesmos sonhos que eu tivera, mas certo de que eles seriam mais felizes e não estariam idealizando uma mulher tão difícil de ser encontrada, tão impossível. Esses meninos certamente não precisariam voltar ali, para lembrar do tempo, para relembrar todos os caminhos andados em busca do sonho que compunham seus castelos. Mas eu estava ali, o mesmo mar, o mesmo balangar, a mesma brisa, só que agora certo de que eram só ilusões os sonhos de outrora.
E eis que vagamente vem surgindo do nada, ou dos sonhos já cansados, envelhecidos, feito filme roto de tanto rodar ilusão afora, a tênue impressão de que o caminho não acabara. Ali, onde o ideal se fizera; ali, onde o princípio do começo do início da rua, da minha rua, da rua da minha vida começara, bem ali, eu ouvia vezes em quando, como trazida pelo vento, pela brisa, pela esperança, imaginava quase cético, aquela voz que ouvira muitas noites, muitas madrugadas. Ouvia agora, ainda de forma vaga e tênue, o acalanto da voz que musicava meus ouvidos, ou minha imaginação, já nem sei, pela quase vida toda. Seus cabelos eram aqueles que tantas vezes deslumbrei sendo chacoalhados pelos vento e quando eu a olhava de soslaio, o perfil era o próprio devaneio. E seu andar, ahhh seu andar. Coincidência, claro. O caminhar era o mesmo, passos simultaneamente firmes e suaves, revezando altivez e graça, e até me olhava do mesmo jeito de quando sentia o seu cheiro misturado com as folhas molhadas da minha rua, da lama de terra limpa, vermelha e meus pés descalços seguiam caminho afora, pensamentos longe e ricos, repletos dos ideais, desses ideais que começava a sentir num simples caminhar, num simples e desligado olhar.

Comecei a observar melhor a mulher que me rodeava, que caíra dos céus, certamente num incidente divino e que pousara aqui, bem pertinho e fazia graça pra mim, mesmo que involuntariamente. Prestei atenção na sua boca. Que quando falava se entreabria como se buscasse um beijo. Que quando sorria, convidava a mim para viajar pelos recantos dos segredos que seu coração certamente guardava e eram todos meus, sobre mim, só pra mim. E eu, meio tonto e misturando o passado e o presente, o sonho e a realidade, os desejos delirantes de um busca que parecia infinda e a realidade que se apresentava assim formosa, gloriosa e arregalando meus olhos, meu sentido e meu coração, apenas olhava, olhava e viajava no tempo e me perdia no espaço desse tempo, de todos os tempos, de todos os sentidos.

Seria, eventualmente, a esperança se materializando? Seria o sonho do menino, tantas vezes equivocadamente achado e outras tantas  perdido na estrada trilhada entre pedras, tocos e brasas? Pois que assim o seja e que a vida e o tempo me permitam me lambuzar desse mel, pois o fel eu já experimentei tantas vezes e tantas vezes o vomitei por teimosia. Pois, que assim seja e que todos os poemas se materializem e que eu viva e reviva todos os seus versos. Que eu deguste cada prosa, cada rima e faça de cada estrofe um amanhecer de festa e regalo, acordando entre seus braços, aconchegado entre seus seios e bebendo na sua boca o mesmo vinho que me embriagou de amargura tantas outras noites tristes e intermináveis.

Que assim seja...........
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 30/03/2010
Alterado em 30/03/2010


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