E A C O E L H O

UM PRETENSO POETA

Textos

SOLIDÃO (1)

Mar manso, imenso, ondas insistentes, intermináveis, vindo, vindo, quebrando nervosa e as pedras, coitadas, chicoteadas assim todo o tempo, o tempo todo e assim inertes, sem reclames, sem dores, sem nada. Absolutamente nada.

Pessoas que passam, que vão, quem vêem, conversas e cochichos se vão passando, misturados ao som que vem do mar. Sol que bate na cara da mulher bonita, óculos escuros protegendo seus olhos que ficam escondidos de quem passa e escondem a vermelhidão do choro de há pouco. Os cabelos sendo esvoaçados pelo vento e aquele banco que a acolhe solitariamente. Ela ali, sentada, olhando o mar e revivendo a história, sua história, seus dias, seu querer, seu amor e sua dor. O vento bate no rosto, quisera fossem chicotadas, para que ardesse a carne e assim não sentiria a angústia vinda do coração, nessa dor de perda, de desilusão, dos sonhos e planos perdidos, do vazio que se fazia e procurava preencher, inutilmente, com as imagens lindas do mar a sua frente e da praia cheia de gente feliz, aparentemente sem problema algum.

Um rosto lindo olhando fixamente o mais longe que a vista alcançava. Nem importava onde alcançava, pois os olhos na realidade assistiam as cenas que a memória fresca trazia das dores recentes. Agora teria sido para sempre. E isso doía, como doía. Se fosse para não tê-lo presente nos momentos que precisava que não o tivesse jamais. Não entendia esse querer tão ausente, que se contentava em tê-la somente de vez em quando. Não combinava com o ardor que sentiam quando estavam juntos. Não combinava com o abraço forte e infindo, de sensações intermináveis que dizia sentir. Não combinava com os beijos quentes, cálidos, molhados, com os lábios que se davam assim tão fortemente sensuais, com que sugavam os seus. Definitivamente não combinava.

Tinha necessidade daquele olhar sempre a espreitando. Sentia uma falta ardida com a sua ausência e não queria mais ficar esperando, esperando, sonhando e criando imagens que não se realizavam como queria, nos momentos que mais precisava. Assim não queria mais. Não queria mais ficar lembrando das conversas noite adentro, dos olhares cúmplices, dos toques, das mãos que se atreviam, Dos beijos que acendiam chamas, da cama, de ser possuída tão forte, do corpo sendo tomado, do gozo chegando, chegando e dos braços que a confortavam calada e feliz. Não. Não queria ficar esperando que aqueles momentos se repetissem, enquanto a cabeça girava em pensamentos mil, que a dúvida impertinente insistisse em lhe dizer que aquilo não era verdadeiro, que ele não a queria para sempre, como dizia.

Não queria mais ficar assim. Mas queria tê-lo ali, ao seu lado agora. Queria que ele visse consigo, tudo aquilo que seus olhos avistavam, o mar sereno e lindo. Os barcos que vagavam lentamente ao longe. Queria que ele estivesse ali, para ver as pessoas passando e os olhando e invejando o carinho e o bem-querer que irradiavam deles assim juntos, sorridentes e felizes.

Queria ele ali, do jeito sereno, olhar terno, mãos fortes, atrevidas que arrancavam prazer em cada toque, por mais sutil que fosse. Queria ele ali do lado, que fosse calado pois só estar ali já confortava, já lhe fazia bem e querida, segura, dada, mulher por si só.

E aquela tarde havia sido fatídica. Haviam acordado tarde, depois de uma bela noite, o restaurante, o passeio pela praia, o carro seguindo e o vento entrando pelas janelas. As luzes da cidade brilhando como os seus olhos. Ele do lado, dirigindo calmamente e suas mãos como sempre atrevidas vasculhando suas coxas delicadamente, como quem nada queria, mas que ela bem sabia que queria sim mexer consigo e como mexia.

A chegada no apartamento, a cozinha, um café quente gostoso que lhe serviu tão docemente, com aqueles gestos de prazer em servi-lo. O banheiro, as roupas no cesto, os corpos nus, o chuveiro, a água correndo, correndo, o sabonete.........ah o sabonete ........e suas mãos lhe ensaboando, gentil e atrevidamente. O abraço, o beijo gostoso e a água correndo. E aquelas mãos em suas costas, o corpo puxado, apertado. Lembranças fortes, frescas e o mar insistente, a lágrima insistinte que voltava a correr rosto abaixo.

É, a tarde tinha sido fatídica mesmo. Nem toda paixão da noite anterior, do sexo absoluto que haviam feito, dos corpos que tanta se deram na noite anterior, o gozo e do regalo e o cansaço gostoso e do sono que tinha tomado os dois, brandamente. Nem isso tinha evitado os dissabores daquela tarde.

Nem o café da manhã, da mesa bem feita, o prazer da companhia, dos olhares de amor e paixão, das promessas contidas em cada gesto, haviam sido suficientes. Depois do almoço, já em meia tarde, da preguiça que os tomou, da cama que convidava e da paixão que os envolvia e terem novamente se amado tão arduamente. Nem isso........

O mar ali na frente, soberbo, imponente e constante. As pedras sofridas, maltratadas pelas ondas. As pessoas que continuavam passando e o banco grande, onde cabia mais um confortavelmente. O vento sobrando, a saia subindo até as coxas bem feitas, torneadas, morenas, que guardavam segredos e convites com endereço certo. E ele não estava ali. Não estava. Bem que poderia estar. Devia estar. Ela relutava contra esses pensamentos bobos, idiotas, repetitivos. Nunca mais queria sentir seu cheiro, nunca mais queria sentir o calor que bolinava seu instinto. Até sentiu suas mãos tocando seu ombro, dedilhando seus cabelos, pegando a nuca inteira e puxando pra si e lhe beijando o rosto candidamente e chegou a ver seu riso, o prazer no seu semblante.

Levantou do banco, caminhou até uma pedra grande, mais próxima ainda do mar e sentiu os respingos da onda que batia forte. Sentiu mais nitidamente o vento renitente a lhe sobrar o rosto, revoar seus cabelos e olhou para traz, repetindo gestos de tantas outras vezes que ali estiveram, juntos e tão dados e ele ficava no banco enquanto ela se arriscava assim mais próxima do mar. E quando o olhava, daquela forma, lá estava ele, sentado, atento e com um sorriso tão grande e farto que lhe diziam claramente o quando ela era amada. E como era bom aquela sensação, aquele conforto, aquele bem estar.

Mas não. Ele não estava ali. Não adiantava olhar. E não estaria nunca mais. Não sentiria mais aquelas sensações. Agora somente o vento já frio e cortante e o caminho de volta até a praia, que trilharia sozinha, triste e amarga, amargando a solidão dos passos que seriam lentos e dos pensamentos que temia lhe afrontasse.

Maldita tarde. Maldito dia. Maldita hora em que o assunto veio a tona. Maldito momento em que não se calou, que não sossegou e deixou os detalhes escondidinhos no canto das suas vidas. Mania de querer mais, de querer tudo.

...........continua................
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 14/12/2009
Alterado em 27/05/2010
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras